Search
sbado, 21 de dezembro de 2024
  • :
  • :

 Saudades

 Saudades
Saudades daquele tempo em que éramos crianças e os nossos pais nos levavam à casa dos vizinhos e ali brincávamos de cabra-cega. As conversas eram sobre o cotidiano: tempo, time de futebol, roça, religião, animais que criávamos e etc…
Saudades daquele tempo em que as brincadeiras reinantes eram “a amarelinha e o chicotinho queimado”.
Saudades daquele tempo que tínhamos um baita ki-chute e nos sentíamos super heróis.
Saudades daquele tempo em que  vigiávamos a galinha cantar e ao descobrirmos o ninho logo íamos  contar aos nossos pais.
Saudades daquele tempo em que íamos levar arroz na pila e para nós era um verdadeiro passeio.
Saudades daquele tempo em que levávamos milho no moinho e ficávamos observando os grãos um a um se transformarem em fubá.
Saudades daquele tempo que mesmo tendo a dificuldade de irmos a pé às festas, nos setíamos felizes, pois tínhamos mais oportunidade de apreciar as paisagens.
Saudades daquele tempo que fazíamos as cópias no mimiógrafo para cantarmos na igreja.
Saudades daquele tempo que víamos as nossas fotos nos famosos monóculos do fotógrafo Joacir Barreto.
Saudades daquele tempo em que íamos a mata tirar lenha. Mesmo que era um trabalho duro, ficávamos muito felizes quando encontrávamos um bom “cubi”, pois era lenha garantida para várias semanas.
Saudades daquele tempo em que encontrávamos centenas de coleirinhas, tisius, tico ticos, juritis, caga sebos, sabiás soltos na natureza.
Saudades daquele tempo em que nossos pais ligavam o radinho e nós ouvíamos os melhores intérpretes da música caipira.
Saudades daquele tempo em que o nosso café era adocicado com garapa.
Saudades daquele tempo em que secar café no terreiro era uma conquista agrícola.
Saudades daquele tempo em que prender bezerros era uma verdadeira aventura.
Saudades daquele tempo em que colocávamos um lençol nas costas e tentávamos imitar o Super Homem.
Saudades daquele tempo em que jogávamos” furiguim”(futebol com traves pequenas de um metro de largura).
Saudades daquele tempo em que fazíamos mutirões para ajudar nossos amigos agricultores na colheita do café, limpeza do pasto e demais tarefas.
Saudades daquele tempo em que matávamos um porco e saíamos distribuindo”fresquinhos” entre os vizinhos.
Saudades daquele tempo que não tínhamos televisão, pois ouvíamos mais nossos amigos; conhecíamos mais as pessoas e discutíamos melhor os nossos problemas.
Saudades daquele tempo em que não aconteciam tantos roubos e assassinatos em nossa sociedade.
Saudades daquele tempo em que a palavra dada era um documento, ou seja, era cumprida.
Saudades daquele tempo em que recitar uma poesia na sala de aula era uma conquista do aprendizado.
Saudades daquele tempo que 22 de abril era festejado.
Saudades daquele tempo que, com borracha, vela e um carretel de linha construíamos o nosso carrinho.
Saudades daquele tempo em que vivíamos desentortando a agulha do toca discos para ouvirmos os clássicos da música brasileira.
Saudades daquele tempo em que íamos dormir curiosos na véspera do Natal tentando adivinhar o que Papai Noel nos traria.
Saudades daquele tempo que assistíamos o Sítio do Pica-pau Amarelo e tínhamos Dona Benta como nossa vó e Anastácia como tia.
Saudades daquele tempo que tomávamos banho de rio, pois não era poluído.
Saudades daquele tempo em que líamos e nos maravilhávamos com as estórias em quadrinhos de Walt Disney e Maurício de Sousa.
Saudades daquele tempo que a diversão do final de semana era assistir Os Trapalhões.
Saudades daquele tempo em que a água do chuveiro era aquecida por serpentinas e não se gastava energia elétrica.
Saudades daquele tempo em que comíamos o pé, a asa e a costela da galinha para deixar o peito e a cocha para nossos pais.
Saudades daquele tempo em que o porco era caipira, a galinha era caipira e os legumes não tinham agrotóxicos.
Saudades daquele tempo em que nossos pais contavam estórias para dormirmos.
Saudades daquele tempo em que ouvíamos o padre Victor Coelho falar na rádio Aparecida: ” os ponteiros apontam para o infinito.
Saudades daquele tempo em que não havia maruí.
Saudades daquele tempo em que os doces do momento eram  bala de côco queimado, frutine e zorro.
Saudades daquele tempo em que juntávamos os amigos para fazermos piquenique.
Saudades daquele tempo em que, quando caia uma capa de palmeira a brincadeira de arrastar estava garantida.
Saudades daquele tempo em que  virávamos a noite dançando forró ao som de Concertina.
Saudades daquele tempo em que moíamos cana na moenda tocada por nós ou nossos animais para tomarmos a garapa.
Saudades daquele tempo em que pegávamos o osso do peito da galinha e fazíamos um jogo.
Saudades daquele tempo em que íamos à venda e não éramos convencidos a comprar pela cor da embalagem.
Saudades daquele tempo em que na mesma vendinha o fumo era de rolo, a sardinha no latão, o açúcar no saco e o fubá e a farinha no caixote.
Saudades daquele tempo em que comíamos inhame rosa cozinhado no panelão.
Saudades daquele tempo em que construímos o “Jiqui” para pegarmos peixes nos poços fundos.
Saudades daquele tempo em que subíamos um morro com um pneu nas costas para soltá-lo e vermos até onde ia.
Saudades daquele tempo em que polenta com leite ou polenta com ovo eram pratos nobres.
Saudades daquele tempo em que o padre Roque Valiati Baptista, quando nos fazia suas visitas anuais, celebrava as Santas missas às 05:30 e reunia as famílias para a reza do terço às 18:00 horas.
Saudades daquele tempo em que aprendíamos datilografia e os toques das letras a, s, d, f, g e ç, l, k, j, h não saíam das nossas mentes.
Saudades daquele tempo em que revelávamos as nossas fotos.
Saudades daquele tempo em que brincávamos de “pique e boca de forno”.
Saudades daquele tempo em que brincávamos de ” Miminel, Babacastel, Babamilá, Pafulamá, Digo la mama Torfomadi, Guli, Guli, Guli…”
Saudades daquele tempo em que ficávamos atoa na vida pra ver a Banda passar.
Saudade é bom para a nossa memória. Nos leva a longas viagens sem sairmos do lugar. Não estou reclamando dos tempos atuais, mas o que vivenciamos na infância e na juventude, jamais deverá ser apagado, pois resgatando o passado, vivemos o presente e construímos o futuro.
 José Alberto Valiati