Em 16 de julho de 1997, era aprovada a Lei Geral de Telecomunicações (LGT), alterando radicalmente o modelo do setor de um sistema fortemente calcado na oferta de serviços por empresas estatais para a abertura de mercado à iniciativa privada. Passados 21 anos, o desenvolvimento tecnológico e econômico do segmento impôs novos desafios. Contudo, possíveis mudanças na lei em debate no Congresso Nacional ainda geram polêmica entre diversos segmentos.
Desde a década de 1960, com uma nova legislação para as comunicações, os serviços de telecomunicações passaram a ser organizados e ofertados aos cidadãos por várias empresas públicas naquilo que se convencionou chamar de Sistema Telebrás. Na década de 1990, ele fez parte do processo de privatizações de diversos setores.
Em 1998, sua exploração foi concedida a quatro entes: a espanhola Telefônica (estado de São Paulo), Embratel (redes para ligações de longa distância) Telemar (Nordeste e parte do Norte) e Brasil Telecom (Sul, Centro-Oeste e parte do Norte). Em 2008, a Telemar comprou a Brasil Telecom, originando a operadora Oi. A infraestrutura foi mantida como propriedade da União e deveria ser explorada por 25 anos, quando novos contratos de concessão seriam celebrados ou ela retornaria ao Estado.
A base do novo modelo foi a aprovação da LGT em 1997. A despeito das telecomunicações serem um serviço público previsto na Constituição, sua exploração podia ser feita por meio de concessão a terceiros. Para isso, foram criados dois regimes. O regime público, que seria aplicado a serviços essenciais, envolvia metas de universalização, algum grau de controle de preços e garantias de continuidade, entre outras exigências. O único serviço incluído nessa categoria foi a telefonia fixa. Já o regime privado continha poucas obrigações. Essa classificação foi atribuída aos demais serviços, como a telefonia móvel.
A lei também determinou a criação da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) como órgão responsável pela regulação do setor. Antes essa função era uma prerrogativa do Ministério das Comunicações. A Anatel foi apresentada como um espaço independente, com maior participação (já que tinha conselho consultivo e outros órgãos) e mais transparência. Além da lei, foram estabelecidos regras complementares, como planos de meta de universalização.
Fixo x móvel
Defensores do modelo argumentam que a privatização possibilitou a expansão da telefonia em geral no país. “Se compararmos as infraestruturas em 1997 e o que aconteceu em 2018, você vai ver que foi a que teve o maior salto sob todos os pontos de vista, se se comparar com estrada, rodovia, água potável e outros. A evolução foi grande e barateou o preço para a população. Conseguimos massificar a utilização de telecomunicações nestes anos”, diz o presidente executivo da Federação Brasileira de Telecomunicações, Eduardo Levy.
Segundo a Anatel, em maio, havia 235,5 milhões de acessos, mais de 1 por pessoa. Contudo, isso não significa número de aparelhos, já um usuário pode ter mais de um chip. Desse total, 143 milhões eram pré-pagos. Já os telefones fixos totalizavam 40,2 milhões, uma base que vem caindo ao longo dos anos. Um dos obstáculos à expansão do fixo foi a cobrança de assinatura básica (que chegou a cerca de R$ 40). Por outro lado, os celulares tiveram uma redução em todo o mundo. Apesar do grande número dos acessos móveis, ainda há um percentual importante da população sem o serviço (60%, segundo a Anatel).
Para a advogada Flávia Lefévre, ex-integrante do Conselho Consultivo da Anatel, além da limitação do alto preço da assinatura básica, outro obstáculo foi o fato de a Anatel não ter realizado um parâmetro de tarifas chamado “modelo de custo”, que permitiria uma transparência e controle maiores sobre a comercialização tanto no atacado quanto para o consumidor final. Apesar desses fatores, a advogada considera que as exigências de regime público foram importantes para universalizar as redes de acesso fixo, enquanto a infraestrutura móvel (expandida a partir de regras menos rígidas e da dinâmica de mercado) obtiveram alcance menor.
Desafios
Além da expansão da telefonia móvel, outra mudança importante nos 21 anos de vigência da LGT foi a emergência da internet como serviço. Segundo dados da Anatel relativos a 2017, 42% dos lares brasileiros tinham acesso à banda larga. De acordo com relatório do Comitê Gestor da Internet referente a 2016, 69% dos brasileiros já haviam acessado a web. Esse dado vem acompanhado de diferenças: os índices são diferentes nas áreas urbana (72%) e rural (49%), nas classes DE (46%) e A (96%) e nas pessoas com ensino superior completo (98%) e com ensino fundamental (56%).
O acesso à web é considerado um direito pela Organização das Nações Unidas (ONU). Na legislação brasileira, o Marco Civil da Internet diz que a regulação do setor tem como objetivo garantir esse serviço a todos. A LGT não disciplina o acesso (ofertado no Brasil por meio do Serviço de Comunicação Multimídia), mas as regras da lei são impactam nesse assunto.
A lei disciplina a infraestrutura do Sistema Telebrás concedida a empresas (hoje Embratel, Telefónica e Oi). Embora essa fosse historicamente para telefonia fixa, em 2008, o governo trocou as metas de instalação de postos de serviços de telecomunicações (PSTs, estruturas providas de equipamentos) por redes de acesso para levar o sinal de internet até municípios (chamadas de backhauls). Com isso, as empresas deixaram de ter tal obrigação, mas instalaram essas infraestruturas, misturando as redes que eram base para telefonia fixa às que eram base para acesso à web. Assim, a disputa por tais redes passou a ser algo central, especialmente com a aproximação do fim dos contratos de concessão.
Reforma polêmica
A principal iniciativa de reforma da lei em debate no Congresso é o Projeto de Lei da Câmara 79, de 2017. A proposta prevê que a infraestrutura concedida (os chamados “bens reversíveis”) não voltem para o Estado, mas sejam entregues às concessionárias (Telefônica, Oi e Embratel) em troca de metas de investimento em redes de banda larga.
A matéria também permite que serviços essenciais não precisem mais ser prestados em regime público, possibilitando na prática que eles não sejam submetidos a obrigações de universalização e continuidade. Se o acesso à internet fosse considerado um serviço essencial, por exemplo, não precisaria ter estas obrigações. Além disso, a proposta abre possibilidade de que empresas com autorização para exploração de radiofrequências (faixas usadas em serviços como telefonia e banda larga móveis) possam comercializar esse espaço. Atualmente, isso não é permitido.
O PLC foi objeto de grande polêmica. O texto foi aprovado em caráter terminativo em comissões do Senado. Um recurso assinado por parlamentares solicitando votação em plenário foi apresentado, mas o texto foi sancionado. O tema foi objeto de uma ação na qual o Supremo Tribunal Federal determinou o retorno ao Senado. A matéria foi enviada à Comissão de Ciência e Tecnologia da casa, onde está parada. Audiência pública promovida pela Comissão em maio revelou a divergência entre governo, empresas e especialistas.
Na ocasião, o secretário de Telecomunicações do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, André Muller, afirmou que a retirada das obrigações e a transação das redes seria mais adequada porque não haveria interesse do mercado em novas concessões de telefonia fixa. “A inviabilidade de uma nova concessão dá-se pelo fato de que muitas já têm autorização para isso, não haveria interesse comercial, haja vista o número de obrigações. Já hoje metade dos acessos de telefonia fixa são das empresas não concessionárias”, disse.
Uma das polêmicas é a soma das redes (os bens reversíveis). Segundo informações repassadas à Anatel mencionadas na audiência, eles chegariam a R$ 105 bilhões. Mas o representante do Tribunal de Contas da União no debate, Ivan Pacheco, comentou que hoje “ninguém teria estes números”. O presidente da Anatel, Juarez Quadros, admitiu que a agência não tinha o cálculo e que este só seria atualizado após a aprovação da lei.
A campanha Banda Larga é Direito Seu, que reúne entidades de defesa de usuários, critica a proposta. “O PLC 79 tem graves problemas porque repassa infraestrutura de telecomunicação para as operadoras sem compromisso efetivo de investimentos na banda larga. Deixa em aberto o valor dos bens, onde vai se fazer aplicação dos recursos”, resume Márcio Patusco, integrante da campanha.
O grupo defende outra reforma, que coloque a infraestrutura de tráfego de internet em regime público (submetida, portanto, a metas de universalização, controle de preços e outras obrigações), garantindo formas diversas de oferta do serviço de acesso aos cidadãos.
Fonte: Agência Brasil