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domingo, 22 de dezembro de 2024
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Granjas que criam galinhas livres ganham mercado no país

Granjas que criam galinhas livres ganham mercado no país

Atualmente, cada vez mais consumidores topam pagar mais caro por um produto que respeita o bem-estar animal. É um mercado em crescimento, que também desperta o interesse dos criadores. Em Paraíba do Sul, no Rio de Janeiro, há uma granja onde as galinhas poedeiras recebem um tratamento diferente do convencional. Lá, o conforto das aves é essencial para o sucesso do negócio.

Mais de 100 semanas confinadas em gaiolas coletivas com 10, 12 aves, dependendo do sistema. Assim vive a maior parte das galinhas poedeiras nas criações convencionais. O espaço destinado a cada uma delas é bem pequeno e não dá para andar, ciscar. Basicamente, elas só fazem movimentos para comer e botar. O resultado são aves estressadas, que brigam, se bicam e adoecem. Por isso, elas recebem antibióticos preventivamente junto com a ração. O conceito do conforto animal não faz parte desse sistema.

Um dia, a americana Adele Douglas visitou uma granja dessas. Ela ficou incomodada com o que viu e decidiu trabalhar para mudar o rumo das coisas: fundou uma organização não governamental, que estabeleceu regras para a criação de animais de um jeito mais humanizado e uma certificação, um selo, concedido para propriedades que adotam o sistema.  Assim, o consumidor pode escolher que tipo de ovo quer comprar.

E deu certo: com a pressão do mercado, muitas granjas, no mundo todo, passaram a adotar a chamada produção “cage free”, expressão que em português significa “livre de gaiola”.

“Ela se baseou em um programa já existente na Grã-Bretanha, criou um comitê cientifico formado por 40 profissionais especialistas em bem-estar animal de vários países, inclusive brasileiros. E escreveu normas de bem-estar animal e aplicáveis a realidade”, explica Luiz Mazzon, diretor da filial brasileira da certificadora que concede o selo criado por Adele Douglas.

A lista de normas é bem extensa. A primeira delas, claro, é eliminar as gaiolas e alojar as galinhas em galpões onde possam caminhar, ciscar e até estabelecer relações sociais, como dizem os técnicos. Também é obrigatório instalar poleiros, ninhos para postura e muito mais, como explica Luiz: “A granja precisa respeitar os critérios da Humane Farm Animal Care, que é um caderno de mais ou menos 30 páginas, que tem dezenas de exigências”.

Tendência mundial
Uma granja no município de Paraíba do Sul, no estado do Rio de Janeiro, é um bom exemplo de como funciona uma criação sem gaiolas. Ela pertence ao grupo Mantiqueira, um dos maiores produtores de ovos do mundo. O presidente, Leandro Pinto, conta que esta é a primeira deste tipo montada pela empresa e o plantel já tem 500 mil galinhas: “Isso aí é uma tendência que está acontecendo faz tempo nos países de primeiro mundo. Eu conheci essa avicultura de 2012 e tive coragem de encabeçar em escala em maio de 2017”.

Além de muito amistosas e sociáveis, as galinhas criadas nesse sistema são bastante produtivas. A granja consegue uma postura de 85%, ou seja, de cada 100 galinhas, 85 produzem um ovo por dia. Mais do que nas unidades convencionais da empresa, onde a taxa média de desfrute é 80%.

“Isso aí com certeza é resultado do bem-estar. Aqui, a lotação máxima que a gente pode ter, estipulada pelas normas da certificadora, é de sete aves por metro quadrado. Para não haver nenhuma competição indevida entre elas, competição por alimento, as aves têm que ter, no mínimo, cinco centímetros de cada lado do comedouro por ave”, explica o veterinário Márcio Carvalho, responsável pela granja.

O espaço no poleiro também tem regra: pelo menos, 20 centímetros para cada ave. No sistema sem gaiolas, a quantidade de ninhos varia de acordo com o modelo. Para um dos tipos, tem que ter um ninho para cada cinco aves, que vão se revezando na postura ao longo do dia. E até a temperatura da água servida aos animais é controlada.

“É estabelecido pela norma que a galinha sente dificuldade de ingerir essa água a partir do momento que ela passa de 36 graus. Se ela não beber água, ela não vai se alimentar direito e não se alimentando, não vai produzir”, explica Márcio.

A qualidade do ar dentro da granja também é importante para o bem-estar das aves. E ela está diretamente relacionada com a chamada cama, o material que cobre o piso do galpão. O veterinário explica: “A gente tem que medir concentração de amônia no ar, que também está relacionado a qualidade da cama. Se a gente deixar a cama ficar úmida, a gente vai ter um aumento do nível de amônia no ar. Então, a gente se preocupa com a cama, se preocupa com a qualidade do ar e aí a gente tem o ambiente perfeito pra galinha”.

Nesse sistema, é proibido alimentar as galinhas com ração que contenha proteína de origem animal, como farinha de peixe ou de osso, por exemplo. Antibióticos são permitidos, mas apenas para tratamentos. Nunca de forma preventiva. Vacinas são liberadas. “A gente não tem problema com doenças, não tivemos até agora e parece que não vamos ter. Aqui, a gente parte do princípio que a galinha recebendo uma ração de qualidade, estando bem nutrida, seguindo todos os parâmetros de bem-estar, a gente não tem problema de doença nessa criação”, garante Márcio.

Para atender às normas e montar toda essa estrutura, a empresa gastou bastante: R$ 10 milhões, segundo o presidente Leandro Pinto. Segundo ele, esse valor é quase o dobro do que gastaria para implantar uma granja convencional.

Hoje, essa unidade produz cerca de 425 mil ovos por dia, que também custam 35% mais caro, porque a produção por área é menor e a necessidade de mão de obra maior.

O principal problema hoje é que a granja ainda não tem mercado para tanto ovo. Quase metade da produção é vendida como produto convencional. “Nós estamos criando o mercado, porque criou-se um produto, criou-se uma demanda que a gente, através de ONGs, de pessoas que querem cuidar do bem-estar animal, criamos uma produção e estamos correndo agora atrás da demanda. Mas quem vai fazer a grande transformação são as empresas e as indústrias que estão se comprometendo, a partir de 2025, a usar ovos 100% de galinhas soltas”, afirma Leandro.

No mercado, ovo de galinha livre também custa mais caro que o convencional. Luiz Cláudio Hass, gerente comercial de uma rede nacional de supermercados, explica que, mesmo assim, o interesse por alimentos provenientes de criações que respeitam o bem-estar animal, está crescendo: “No caso dos ovos, a única opção que a gente tinha era dos ovos caipiras e dos ovos orgânicos, mas o custo desse produto é muito elevado. Este ovo livre de gaiola custa aproximadamente de 15% a 20% mais caro que um ovo tradicional, mas ele tem o benefício de ser 30% mais barato que um ovo de galinha caipira, que está em disponibilidade no mercado”.

Os ovos de galinhas livres ainda representam apenas 5% das vendas da rede, mas Luiz Cláudio acredita que dá para melhorar muito nos próximos anos: “O nosso objetivo é chegar em 100% até 2025. O que falta para chegar nisso é, principalmente, que a gente tenha mais produtores. Com mais produção, o custo vai se tornar cada vez mais acessível e, além disso, o que a gente precisa é criar mais informação. Também da nossa parte levar até o consumidor a informação do benefício que esse produto tem, do cuidado da produção com as galinhas. A medida que o consumidor ganha esse conhecimento e essa informação, ele passa valorizar o produto e esse custo acima que ele tem hoje”.

Para receber o selo da criação livre de gaiolas, o produtor também tem que respeitar as leis trabalhistas, ambientais, passar por fiscalizações periódicas da certificadora. O sistema dá bem-estar aos animais e ainda pode trazer vantagens em um mercado cada vez mais exigente.

Vale reforçar: nos modelos de criação orgânico e caipira, as galinhas também não ficam em gaiolas e, muitas vezes, têm acesso a áreas externas de pastagem.

 

 

 

 

 

Fonte: Agência Brasil