Com inflação, brasileiro já está comprando menos, mas gastando mais
25 ago, 2021
Comida e combustíveis são alguns dos produtos que os consumidores reduziram após aumentos fortes de preços desde o ano passado.
Com uma inflação que não dá trégua desde o ano passado, os preços de muitos itens básicos, como comida, conta de luz e gasolina, nunca estiveram tão altos. Isso já está levando os brasileiros a encher menos os carrinhos e a levar menos coisas para casa – embora o desembolso siga aumentando.
A tendência já começa a aparecer nos números. Os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostraram que, em junho, as vendas do varejo no país, em volume, caíram 1,7% na comparação com maio – uma retração forte e que surpreendeu boa parte dos economistas, que não esperavam números tão ruins para um mês em que o comércio e as principais atividades da economia já estavam em toada de reabertura.
Por outro lado, o faturamento do setor no mesmo mês, também de acordo com o IBGE, subiu, com uma alta de 1,5%. Ou seja: os consumidores compraram menos coisas, e mesmo assim gastaram mais. E isso não necessariamente significa que os lojistas estão ampliando os lucros, já que os produtos da indústria estão chegando ainda mais caros para eles também.
“É o caso clássico em que a conta no final do mês é a mesma ou maior, mas o carrinho vai ficando mais vazio”, disse Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC).
Menos comida e menos gasolina
O fenômeno ficou bem claro em dois setores básicos e também os que tiveram alguns dos maiores aumentos de preços desde o início da pandemia: os alimentos e os combustíveis.
Os gastos nos supermercados cresceram 1,1% em junho, de acordo com a pesquisa de varejo do IBGE, mas com os brasileiros tendo comprado um volume 0,5% menor em produtos deles.
Em julho, os preços dos alimentos nas prateleiras ainda estavam 16% mais caros que há um ano. Carnes, arroz e óleo de soja, alguns dos principais vilões do ano passado, seguem 34%, 40% e 84% mais caros, respectivamente, pelos dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial de inflação do IBGE.
Nos postos de gasolina, a distância entre o que o consumidor está pagando e o que está levando vem ficando ainda maior. Em junho, a receita subiu 0,8%, mas o total de litros comprados pelos motoristas, um consumo que vinha esboçando uma recuperação nos meses anteriores, caiu 1,2%.
Puxada pelo preço do dólar e do petróleo no mundo, a gasolina vem repetidamente sendo reajustada para cima pela sua principal fornecedora no país, a Petrobras, e, em um ano, a alta verificada pelo IPCA nos postos é de 40%.
Como o preço de outras coisas que não dão para trocar ou cortar da cesta tão fácil também subiram muito – caso da conta de luz –, o orçamento das famílias vai ficando mais apertado por outros lados também.
Isso redunda em ainda menos compras nas ruas e atrapalha não só a recuperação do comércio, mas também do Produto Interno Bruto (PIB) como um todo, já que, para medir o real tamanho da economia, importam apenas as quantidades de bens e serviços produzidos e consumidos no país, e não o quanto eles custaram.
Ovo em vez de frango e marcas mais baratas
Com a dificuldade cada vez maior de fazer tudo continuar cabendo no mesmo orçamento, os consumidores estão não só comprando menos, como também pesquisando mais preços e substituindo o que conseguem.
Pesquisas feitas pela Associação Brasileira de Supermercados (Abras) mostram que as vendas de marcas mais baratas de itens básicos como arroz, óleo e produtos de limpeza, que demoram a ser completamente tirados do carrinho, estão crescendo.
“O preço de um pacote de arroz varia de R$ 16 até R$ 30 entre uma marca e outra, é o dobro”, explica o vice-presidente institucional da Abras, Márcio Milan. “O consumidor se acostuma a comprar a mesma marca e demora para decidir por trocá-la, mas ele já está fazendo isso, e as próprias redes estão buscando mais marcas para poder oferecer aos clientes mais alternativas que caibam no bolso.”
Os indicadores da Abras também apontam que a procura pelas carnes mais baratas está tomando o lugar dos cortes nobres, por exemplo, enquanto a busca por ovos está crescendo mais rápido que a de frango.
De acordo com Milan, o preço do quilo de uma carne de corte traseiro, de onde saem a picanha e o filé mignon, aumentou em média 6% desde o começo do ano. Nas dianteiras, mais baratas, o aumento é de 13%, mesmo que todas venham do mesmo animal e tenham as mesmas bases de custos.
Na mesma linha, o preço do frango, pelos números da Abras, está subindo 4,5%, enquanto, do ovo, sobe 13%. “É, de certa forma, uma maneira de ver que a procura de um item está aquecida, enquanto o outro tem aumentos menores”, disse Milan.