* Por Edison Carlos Fernandes
A recente decisão do Supremo Tribunal Federal – STF sobre o chamado foro privilegiado é mais um assunto jurídico que está sendo absorvido pela sociedade, o que se percebe pela inclusão desse tema na conversa cotidiana das brasileiras e dos brasileiros. Não houve divergência de entendimento entre os ministros da Corte Suprema, porém, muitos advogados e jornalistas têm discordado dessa unanimidade, destacando pontos que seriam “erros” na interpretação dos juízes do STF. Sem fazer remissão direta aos votos que compõem o acórdão do STF, gostaria de apresentar visão, de acordo com a posição finalmente adotada.
Três pontos merecem destaque, a saber: (i) competência do STF para delimitar o foro por prerrogativa de função (conhecido como foro privilegiado); (ii) a delimitação em si determinada pelo STF; e (iii) abrangência restrita da decisão aos senadores e aos deputados federais.
(i) Competência do STF para delimitar o foro privilegiado
A primeira crítica que se faz à decisão do STF diz respeito à competência sobre o assunto: advogados e jornalistas insistem que caberia ao Congresso Nacional, por meio de Proposta de Emenda à Constituição – PEC, restringir o foro privilegiado, e não o STF por meio de uma decisão judicial. Conquanto esse seja um argumento, ele não é o único e não me parece o mais acertado.
Compete ao Supremo Tribunal Federal – STF, precipuamente, a guarda da Constituição (artigo 102 da Constituição Federal de 1988). Nessa sua atribuição, os ministros do STF devem aplicar a Constituição Federal no seu conjunto, não podendo limitar sua análise de maneira particular a um dispositivo único. Se é certo que o texto constitucional estabelece que “[o]s Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal” (artigo 53 § 1°), também é certo que esse dispositivo deve ser interpretado de maneira integrada a todo o restante do texto. Esse (e cada) dispositivo faz parte de um todo e assim deve ser lido.
Nesse sentido, ressalte-se que o Brasil é uma república (artigo 1° da Constituição Federal), motivo pelo qual prevalece a igualdade entre todos, homens e mulheres, perante a lei (artigo 5°), não se admitindo qualquer privilégio, saldo decorrente da função desenvolvida por cidadãos específicos. Aplicando o princípio republicando ao caso do foro privilegiado, nada justifica que seja concedido um amplo privilégio aos senadores e aos deputados federais, salvo no desenvolvimento da sua função parlamentar. Daí a correção a decisão do STF.
(ii) A delimitação do foro privilegiado determinada pelo STF
Portanto, se algum tratamento diferenciado é permitido aos senadores e aos deputados federais, tal discriminação decorre da função, também republicana, por eles exercida. Porém, o tratamento diferenciado deve ficar restrito a essa função.
Os senadores e deputados federais, se acusados de condutas ilícitas que decorrem da sua função[1], serão processados perante o STF. Fora isso, os processos deverão tramitar perante as varas comuns do Poder Judiciário.
(iii) Abrangência restrita da decisão aos senadores e aos deputados federais
Outra crítica feita à decisão do STF sobre o foro privilegiado é que ela ficou restrita aos senadores e aos deputados federais, quando, deveria ser para todos. Incluem-se nesse “todos” também os membros do Poder Judiciário e do Poder Executivo, abarcando o Ministério Público.
Contra essa crítica, dois argumentos sustentam a decisão do STF: em primeiro lugar, o que estava em discussão, ou seja, o objeto da medida judicial, era justamente o artigo 53, § 1° da Constituição Federal, que trata somente dos parlamentares federais. Nessa ação judicial específica, não seria possível estender se alcance a qualquer funcionário público, concursado ou eleito.
Em segundo lugar, o conceito foi estabelecido: em um Estado Republicado como o brasileiro, qualquer benefício de foro depende da função exercida. Como conceito, essa decisão orienta qualquer outra demanda judicial que se apresente perante o STF referente ao foro privilegiado. Portanto, é muito provável que o STF, quando tiver oportunidade, estenderá essa interpretação do foro privilegiado aos demais funcionários públicos.
[1] Por exemplo, peculato (apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio), concussão (exigir, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida),prevaricação (retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal) e corrupção passiva durante o mandato (solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem).
*Edison Carlos Fernandes é especialista em Direito Constitucional e professor do CEU Law School.
Sobre o CEU Law School
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