Quando a saúde deu sinal que algo não ia bem, o agricultor Adevaldo Mozer Mardegan decidiu tomar um novo rumo. Há quase uma década, ele e a esposa, que moram no interior de Rio Novo do Sul, no Sul do Espírito Santo, decidiram prezar pela vida e abandonaram o uso de agrotóxicos nas lavouras de café.
E a transformação veio para o bem: da terra, da qualidade de vida e da economia. Assim como Adevaldo, um núcleo de pequenos agricultores familiares decidiu se redescobrir, deixando para trás o cultivo que era tradicional com uso de agrotóxicos e a degradação do meio ambiente para abraçar um potencial mercado da agricultura: os orgânicos.
Previsão da área de produção orgânica em todo o país neste ano, segundo Ministério da Agricultura, mas para promover a sustentabilidade no campo e na vida das pessoas foi preciso mudanças coletivas de comportamento. Mudança que veio impulsionada pela união das forças da Cooperativa dos Agricultores Familiares Sul Litorânea do Estado do Espírito Santo (Cafsul), da Cooperativa de Trabalho dos Técnicos Industriais e Tecnólogos do Estado do Espírito Santo (Coopttec), do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper) e do Sebrae Tec.
Hoje, com a certificação dos alimentos junto ao Governo Federal, eles escoam a produção para o mercado interno, na venda direta ao consumidor por meio de feiras orgânicas, ou para fora do Estado, por meio de compradores específicos que buscam este tipo de cultivo.
INCENTIVO PARA PRODUZIR SEM DEGRADAR
Não é segredo para os brasileiros que o país é campeão em concentração de agrotóxicos nos alimentos, segundo análise da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Frutas, legumes e verduras têm índices acima do permitido. Problema que não afeta somente o consumidor, mas quem produz. “O veneno não faz bem a ninguém. Nunca gostei de trabalhar com agrotóxico. Na juventude, cheguei a ficar internado por intoxicação. A suspeita era de que era o veneno usado na lavoura de café”, relembra o agricultor Adevaldo Mozer Mardegan (foto).
Ao lado da esposa, Derminda Veronez Mardegan, eles tocam sozinhos a produção na propriedade de quatro hectares na localidade de Princesa. Por lá, pelo menos 50% da produção é de banana, a outra parte está em uma grande variedade de frutas, como laranja, mexerica, lichia, caqui, uvas e até abiu.
Derminda e Adevaldo fazem parte do promissor mercado agrícola da produção de orgânicos. Para se ter ideia dessa fatia do agronegócio, a Coordenação de Agroecologia da Secretaria de Desenvolvimento, vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária, Abastecimento (Mapa) diz que houve um salto de 6,7 mil unidades produtoras em 2013 para 19,9 mil em 2017.
A busca pelos orgânicos é crescente, mas, é preciso ter credibilidade no mercado. A transição para a conquista da certificação – verificação que valida a produção junto ao Mapa – é lenta e, segundo os produtores, nada fácil. “Havia ainda poucos remédios e adubos orgânicos certificados. Além disso, todo o plano de manejo com a lavoura requeria outros processos”, afirma o Mardegan.
Além do empenho dos cooperados na lavoura, eles ganharam o apoio financeiro do Sebrae, que promoveu a conquista da certificação orgânica a preços mais acessíveis aos agricultores, do Incaper e da Coopttec, através de consultoria técnica. A cooperativa incentivou mais produtores a cultivarem orgânicos, aumentar o volume para ganhar mais mercado.
CAMPO LIMPO E CONSCIENTE
A alternativa sustentável vai além da produção sem agrotóxico – contempla o uso responsável do solo, da água, do ar e dos recursos naturais. Na propriedade do senhor Moisés Biss, em Jaracatiá, interior de Iconha, por exemplo, há caixas secas, cercas vivas, fossas sépticas, além da adubação verde. A água vem de poço artesiano, o esterco do curral vira adubo e os animais são tratados com homeopatia.
Diferente do cultivo tradicional, a lavoura é roçada e não capinada. O trabalho é maior, mas, para o agricultor, dá orgulho preservar o meio ambiente.
Na produção de verduras há cebolinha, couve e cenoura. Tudo é vendido em feira orgânica, no município vizinho de Anchieta. O cuidado está até nos detalhes. “Nem plástico vai na embalagem. Uso fibra de bananeira. Corto o cacho, tiro a fibra e amarro para ser tudo sustentável e não degradar o meio ambiente”, diz o agricultor.
Sustentabilidade que dá orgulho e que se transforma em exemplo. “Muita gente acha impossível. Na verdade há um processo de transição. Ninguém vai sair da agricultura convencional da noite para o dia e vai virar um produtor orgânico. Há muito a ser feito nesta linha ainda. Hoje temos orientação de como se fazer e existem exemplos como Iconha”, diz o agrônomo do Incaper, Fábio Dalbom.
DE OLHO NO MERCADO
E, não foi só a natureza que agradeceu. Os lucros também são fator incentivador. Apesar de escoar menor quantidade de produtos, o valor de venda é maior. “O produto dura mais e no preço final temos melhor retorno. Se estivesse no convencional, não teria nem a metade do retorno que temos hoje. Chega a ser até três vezes mais que o tradicional”, revela o agricultor Adevaldo Mardegan.
A produção alternativa de alimentos, incentivados pela força das cooperativas, vai bem no país. O cadastro de cooperativas e de associações desse segmento junto ao Ministério da Agricultura aponta, que neste ano, a área de produção orgânica no país pode ultrapassar os 750 mil hectares, impulsionada, principalmente, pela agricultura familiar.
Em terras capixabas, este número é menor, mas tem sua representatividade. Dados da Secretaria Estadual de Agricultura e Abastecimento (Seag) apontam que cerca de 1,3 mil agricultores não utilizam mais agrotóxicos nas lavouras e produzem 12,8 toneladas de alimentos por mês. Apenas as cooperativas Cafsul, com sede em Iconha, e a Cooperativa dos Agricultores Familiares da Região Serrana do Espírito Santo (Caf Serrana), localizada em Santa Maria de Jetibá, integram este mercado entre as cooperativas.
Para a Cafsul, que teve início em 2011, a ideia sempre foi buscar desenvolvimento rural sustentável com equilíbrio econômico e social. O volume de escoamento (frutas, legumes e hortaliças) segundo a cooperativa, ainda é pequeno se comparado a produção de alimentos na forma convencional, mas a expectativa é de crescimento após a certificação de mais produtores.
“Nós potencializamos, convidando os agricultores a começarem a plantar orgânicos. No início eram 37. Hoje, mais de 20 já terão a certificação. Buscamos parceria com o Sebrae desde 2014. Hoje, os produtores têm a satisfação do produto. O processo é moroso, mas a produção ganha valor agregado e o produtor ganha qualidade de vida, longe de agrotóxicos. É um mercado diferenciado do presente e do futuro”, diz o presidente da cooperativa Gustavo Paganini Dadalto.
Fonte: Gazeta Online